segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O tempo bonito


É gratificante relembrar o bonito de um tempo para amenizar nossos dias cheios de tragédias consecutivas que nos deixa sem vontade de viver e sorrir.
Lembrança das simplicidades dos compadres e comadres que se respeitavam e se misturavam numa grande família.
Quando se convidavam para festas inventadas, só para prosearem e se lembrarem de causos às vezes inventados e engraçados.
Eram senhores com espírito de meninos que aproveitavam o domingo para arejarem suas cabeças dos trabalhos monótonos, suas aptidões de articulação eram de invejar e levar qualquer humorista a rir de se molhar.
O sitio do Sr. Manoel, no município Lagamar, era seu palco para extravasar sua veia humorística. Sua esposa, Esmeralda, o chamava cariosamente de Manel. Ele a chamava de Memé. Às vezes, a chamava tão alto que ela o repreendia:

- Parece um bode velho berrando, Manel!

Ele corria na sua direção com a cabeça baixa querendo acertá-la, mas o que queria, na verdade, era beijar lhe.
A sabedoria de Memé era tanta, que mergulhava numa sadia ingenuidade para ser acreditada por seu amado, como “No trabalho do sol e da lua”. Essa era uma história contada com detalhes imagináveis do marido Manel. Os dois sentados nas cadeiras de balanço olhando a lua cheia, ele sério, dizia:

- Sabe Memé, de noite o sol areia a lua e de dia a lua o areia, é por isso que brilham.

Ela de boca aberta, interrogava:

- E é Manel?

Ele ria satisfeito de ter uma esposa bonita e ingênua, de ter com quem dividir suas fantasias mentirosas, e ainda que pudesse acreditar e se deliciar com elas. Se ele lhe prometesse as estrelas, ela diria:

- Quero duas! A minha e a sua.

Era bom para seu ego, brincar com a sua amada, mas sem saber estava sendo usado com suas estórias contadas. Ela representava. Fingia acreditar só para lhe agradar. Esta é a verdadeira sabedoria dos que sabem amar.

O almoço no sitio era uma festa. Olhares surpresos de tanta imaginação descabida. Mangas penduradas em pés de caju, goiabas em pés de mangueira, bananeiras enfeitadas com frutos e flores de laranjeiras eram uma introdução do bom humor para os convidados. Seu Manoel se escondia. Os convidados meios desconfiados perguntavam:

- E o dono da casa?

Maria, afilhada e obediente do que dizia, baixava a cabeça falando baixinho:

- Padrinho não vem, mas deixou pra servir essa cuia de farinha com essa cabaça de mel. No pote uma água frienta onde vi uma perereca bebendo e se deliciando.
(Tudo invenção do seu padrinho)

Todos acreditavam desconfiados, pois se tratando do compadre Manoel, tudo era possível acontecer.
Demorava uma hora, ele aparecia abraçado à Esmeralda. Os dois vestidos de noivos. Ela de grinalda e buquê de flores de laranjeira com seu vestido branco da ordem de Coração de Jesus. Ele com o terno das missas e festas. Estavam muito simpáticos, riam para todos. Ele pediu a palavra no balbucio dos risos e exclamações:

- Amigos hoje é o dia do nosso verdadeiro casamento! São cinquenta anos que nos toleramos e nos amamos. Ela a me perguntar e a acreditar em mim. Eu a dormir, a abraçá-la e a roncar.

Risos e palmas se completavam. Da porta do fundo, chegaram os violeiros cantando e improvisando versos de casamentos. Eles sabiam dizer como fazer num dia importante a comemoração. Suas violas a tocar, eles com vozes difíceis de agüentar, mas eram tão engraçados e empolgados no que diziam que todos os ouviam calados, com pena de humilhá-los. Com olhares maliciosos riam para os noivos improvisando:

- Noivos para melhorar
Esse dia difícil de agüentar
Procurem lembrar
A fogueira da gameleira
Há cinquenta anos atrás
Logo o fogo acenderá
Os abraços aparecerão
E os roncos continuarão

Os comes e bebes foram aparecendo. Era uma fartura dos tempos bonitos, os compadres e as comadres a se distraírem. Era a era das relações mais íntimas a favor da multiplicação. Não existia televisão?

Respondo: Era o tempo dos espíritos chegarem em procissão para se redimirem das suas expiações.

Ailezz

Um comentário:

  1. Simplesmente maravilhoso esse tempo bonito,o simples é o belo e o belo é viver simplesmente a vida.

    Parabéns

    Ailezz

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